Entregar a direção de veículo
automotivo a motorista alcoolizado pode caracterizar homicídio qualificado com
dolo eventual. Ele ocorre quando o agente, mesmo sem buscar o resultado morte,
assume o risco de produzi-lo. O entendimento foi dado pela Quinta Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) em pedido de habeas corpus contra julgado do
Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE).
Em fevereiro de 2010, segundo a
acusação, o réu, já alcoolizado, entregou a direção de seu carro a uma amiga,
que também estava embriagada. Ocorreu um acidente e a amiga, que conduzia o
carro, morreu. No veículo foi encontrada pequena quantidade de cocaína. O réu
foi acusado de homicídio qualificado (artigo 121, parágrafo 2º, incisos II, III
e IV do Código Penal). Impetrou-se habeas corpus para trancar a ação,
sustentando haver inépcia de denúncia e falta de justa causa. Entretanto, o
TJPE negou o pedido, afirmando que a adequação da acusação seria verificada no
curso do processo, com a produção de provas.
No STJ, a defesa insistiu na tese
de erro na denúncia, pois não teria ocorrido homicídio, e sim o delito do
artigo 310 da Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro – CTB): entregar a
direção de veículo para pessoa não habilitada, incapaz ou embriagada. Com isso,
voltou a pedir o trancamento da ação.
Indícios suficientes
A relatora do processo, ministra
Laurita Vaz, considerou que eventual erro na tipificação do crime não torna a
peça acusatória inepta. “O réu defende-se dos fatos objetivamente descritos na
denúncia e não da qualificação jurídica atribuída pelo Ministério Público ao
fato delituoso”, afirmou. Além disso, ela prosseguiu, o trancamento de ação
penal por habeas corpus, por falta de justa causa, exige que fique claro que a
imputação de delito não tenha indício apto a demonstrar a autoria.
Porém, no entendimento da
relatora, a denúncia descreve de modo suficiente a existência do crime em tese
e também a autoria, com os indícios necessários para iniciar a ação penal. Ela
acrescentou que a atual tendência jurisprudencial é de imputar o crime de
homicídio a quem passa a direção a pessoa embriagada, pois, mesmo não querendo
a morte da vítima, assumiu o risco de produzi-la, configurando o dolo eventual.
“Ressalto que se deve evitar o
entendimento demagógico de que qualquer acidente de trânsito que resulte em
morte configura homicídio doloso, dando elasticidade ao conceito de dolo
eventual absolutamente contrária à melhor exegese do direito”, ponderou.
Para Laurita Vaz, as
circunstâncias do acidente descritas na acusação podem caracterizar o dolo
eventual. A vítima, além de estar embriagada, dirigiu o carro de madrugada, em
lugar arriscado, sem cinto de segurança e em velocidade superior a 100 km/h. A
ministra também acrescentou que desclassificar uma acusação pela análise da
vontade do agente não é da jurisdição do STJ, sendo isso tarefa do juízo de
direito que trata do processo. Ela negou o pedido de habeas corpus e foi
acompanhada de forma unânime pelos demais ministros da Quinta Turma.
HC 196292
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